O QUE É TEOLOGIA?
Professor
Whitson Ribeiro da Rocha
I)
DEFINIÇÕES
Na etimologia da palavra é a “ciência de Deus”. Em
sentido abrangente é todo discurso sobre Deus.
Algumas definições:
1)
“Ciência que trata de Deus e suas relações com os
homens” G. H. Lacy (Introducción a la Teologia Sistemática, p. 19).
2)
“Teologia é o estudo, a análise e a declaração
cuidadosa e sistemática da doutrina cristã”
Millard Erickson (Introdução à
Teologia Sistemática)
3)
“Conhecimento dos fatos a respeito de Deus e sua
relação com o mundo e a apresentação em uma unidade racional como um sistema
orgânico” R. J. Sturz (apostila)
4)
“Teologia sistemática é qualquer estudo que responda à
pergunta ‘o que a Bíblia como um todo nos ensina hoje?’ acerca de qualquer
assunto” W. Grudem (Teologia Sistemática, p. 1)
5)
“Teologia cristã é o estudo da revelação de Deus que
foi oferecida aos homens mediante Jesus Cristo” Whitson Rocha
II)
DIVISÕES DE ESTUDO DA TEOLOGIA
Para fins de estudo podemos
dividir a teologia em algumas áreas:
Teologia
Sistemática:
tentativa de elaborar um sistema que unifica dados bíblicos, filosóficos,
místicos e outros. Usa os materiais que encontramos na Bíblia, filosofia,
ciências humanas, ciências físicas e na história. A fonte principal é a Bíblia.
Teologia
Bíblica:
uma análise exegética da Bíblia com a finalidade de descobrir a filosofia e o
ensino subjacentes do texto a partir de cada autor bíblico individualmente ou
de autores comuns a determinada parte ou assunto.
Teologia
Prática: o
estudo de métodos e meios de aplicar a doutrina à vida da igreja (ética,
missões, homilética, educação religiosa, etc.)
Teologia
Histórica:
estudo comparativo que demonstra o desenvolvimento e interrelações históricas
dos vários sistemas elaborados desde os apóstolos até hoje.
III)
RELAÇÕES DA TEOLOGIA
1) Teologia e Religião
1.1)
O que é religião?
a) “é a expressão da experiência com Deus”
Strong
b) “é a relação do homem com Deus” P. Schaff
c) “é também um sistema de culto e expressão de uma
comunidade; é a procura de Deus pelo homem” R. Sturz
1.2)
A teologia sistemática é a tentativa de compreender
aquele que se revela a nós, bem como nossa relação a ele e ao próximo.
1.3)
A teologia sistemática é a reflexão da revelação e
se insere como parte e juíza da religião.
2) Teologia e Filosofia
2.1)
A filosofia dá o discurso da racionalidade humana.
2.2) A teologia aceita a revelação de Deus, que está
acima da racionalidade, mas que utiliza-se da razão e consequentemente da
filosofia para seu desenvolvimento e discurso.
2.3) A filosofia é construção puramente humana, de sua
racionalidade. A teologia incorpora a revelação.
2.4)
A teologia e a filosofia estão correlacionadas e se
influenciam mutuamente.
3)
Teologia e Ciência
3.1)
Ciência: ramo do conhecimento sistematizado; tudo o que
se pode reduzir a regras e preceitos (ex. matemática):
a) ciências exatas: o que admite fatos, princípios e
conseqüências rigorosamente demonstráveis;
b) ciências humanas e história: são um tipo de ciência
diferente das exatas pelo fato de que nelas entra, muito mais, o elemento
subjetivo;
c) mesmo esta classificação não é absoluta, uma vez que o
subjetivismo entra nas chamadas ciências exatas;
d) Thomas Khun, físico, já demonstrou que as ciências exatas
não progridem com o acúmulo de saber, mas com mudanças de paradigma. (A Estrutura das revoluções científicas)
3.2)
A teologia não é considerada por muitos como ciência,
porém está na mesma posição da filosofia.
IV)
BASES DA TEOLOGIA
1)
As Escrituras Sagradas
Para ser cristã exige-se a
revelação final em Jesus Cristo (Hb 1.1).
Há a necessidade de uma
orientação apostólica (Ef 2.19-21).
A revelação ocupa lugar
central e normativo em qualquer teologia verdadeiramente cristã.
2)
A Filosofia
Para ser sistemática
exige-se uma filosofia como ponto de partida e lastro.
A razão não é a fonte para a
teologia e nem é contrária a ela, mas é o instrumento para desenvolver os
materiais fornecidos pela Bíblia, tradição e experiência (Jo 5.39 I Pd 3.15).
Existe a necessidade de se
ser ciente da filosofia que se emprega para não nos enganarmos acerca da
sistematização dos dados bíblicos. Ex. questão corpo-alma na filosofia grega e
no pensamento hebraico.
3)
Tradição
Para a teologia ser eclesiástica exige-se a
identificação com uma comunidade histórica. Ex. reforma e as igrejas protestantes.
A igreja vive na história e
isto produz uma experiência que deve ser levada em conta na produção da
teologia.
Há necessidade de uma
orientação eclesiástica uma vez que a igreja é nossa ligação com o ensino de
Cristo e os apóstolos.
4)
Experiência do Teólogo
(misticismo)
Para que a teologia seja
atual exige-se vivência por parte do teólogo (contextualização).
A experiência do teólogo tem
seu lugar na interpretação que ele faz.
A teologia, após ser produzida,
deve ser vivida.
V)
MODOS DE PENSAR E FAZER TEOLOGIA
1)
Duas maneiras básicas de
pensar
1.1)
A lógica aristotélica
A lógica
ensinada por Aristóteles buscava a verdade através do seguinte método: premissa
– termo médio – conclusão.
Exemplo: todos os homens são mortais
Sócrates é um homem
portanto Sócrates é
mortal
O problema com
esta lógica é a dificuldade de definir e provar as premissas. Outra dificuldade
é que o termo médio e a conclusão já estão contidos na premissa.
Nesta lógica, Aristóteles
propõe uma importante lei para o pensamento: a lei da não-contradição: A não
pode ser não-A ao mesmo tempo.
1.2)
A dialética hegeliana
O filósofo Hegel, século
XIX, propõe uma nova forma de pensar chamada dialética. Esta forma entendia o
pensamento como movimento contínuo.
O método dialético é: duas
teses contrárias se juntam formando uma síntese.
Tese Antítese
Exemplo: Ñ
Síntese
1.3)
Estas duas maneiras de
pensar nos ajudam a fazer e entender a teologia sistemática e a bíblica
Na própria
Bíblia vemos seus personagens tirarem conclusões lógicas de outros textos ou de
idéias.
Porém, nossas
deduções, embora as achemos lógicas e verdadeiras, podem nos levar ao engano. O
padrão para aferir a verdade de nossas deduções será sempre a própria Bíblia.
Temos que conferir com outros textos das Escrituras e com toda ela se nossas
deduções não contradizem o que lá está escrito. Esta é uma regra importante que
a Reforma acentuou: “escritura interpreta escritura”.
No
entendimento de muitas doutrinas não podemos usar apenas a lógica aristotélica
para entendê-las, mas temos que usar a dialética. Quando utilizamos a estrutura
dialética para a interpretação do ensino bíblico usa-se o nome “paradoxo” para
“declarações contrárias que podem ser, ambas, verdadeiras ao mesmo tempo”.
Veja o
seguinte exemplo:
-
Deus Pai é chamado Deus (I Co 1.3)
-
Deus Filho é chamado Deus (Jo 20.28; Tt 2.13)
-
Deus Espírito Santo é chamado Deus (At 5.3,4)
conclusão lógica: há 3 deuses!
Mas, observamos em outros
textos bíblicos que Deus é um só (Dt 6.4; Tg 2.19)
Observamos que nossa
conclusão lógica estava errada!
Temos então que formular um paradoxo assim:
-
existem 3 pessoas distintas (o Pai, o Filho e o Espírito Santo), cada
uma das quais é plenamente Deus,
-
existe um único Deus.
No paradoxo as idéias são contrárias, mas não contraditórias. Não seria um paradoxo e
seria uma idéia contraditória as expressões: a) Deus é três pessoas, e b) Deus
não é três pessoas. As duas verdades de um paradoxo não estão no mesmo nível: geralmente
uma verdade refere-se a Deus ou a uma ação dele e a outra refere-se ao homem ou
a uma ação dele. Ou então, as duas verdades referem-se a Deus ou suas ações.
Os paradoxos
bíblicos são verdadeiros porque, como seres humanos, o nosso raciocínio não tem
condições de apreender a verdade por inteiro. Para Deus não há paradoxo porque
ele compreende toda a verdade e os elementos de um paradoxo são harmonizados de
maneira perfeita (Is 55.8,9).
2)
A Bíblia nos apresenta a
revelação sem ser sistemática
A revelação se dá através
dos atos e palavras de Deus. Normalmente primeiro vêm os atos de Deus e
posteriormente a reflexão (Ex 20.1,2)
O assunto principal da
revelação é a salvação por Jesus Cristo. Outros assuntos são tratados na medida
em que ajudam a entender o principal.
A revelação se dá na cosmovisão
judaica que não segue a lógica aristotélica. Ela é concreta e linear.
Deus se comunica de uma
forma que o homem entenda. Mas, como o infinito de Deus (Rm 11.33) pode caber
na racionalidade humana? Daí os paradoxos (verdades paralelas) das Escrituras.
Exemplo: João 1.1-3 como explicar isto racionalmente?
Conclusão
A revelação bíblica deve ser estudada tal como nos foi dada, mas, na
construção da teologia, temos que usar a forma de pensar que melhor se adeqüe
aos dados bíblicos.
VI)
CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEOLOGIA
Esta
seção foi baseada no estudo de Hesselgrave da palavra “contextualização” da Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja
Cristã na página 346ss.
1)
Introdução
Não se pode fugir hoje do estudo da contextualização da
teologia. A grande questão é o que significa isto. Este estudo pretende fazer
uma abordagem evangélica e equilibrada sobre este assunto.
2) Razões
da contextualização da teologia hoje
A teologia contextualizada
em sentido contemporâneo nasce de alguns movimentos:
-
o movimento missionário contemporâneo que, desejando libertar-se da
forma “colonialista” de missões e recebendo uma séria crítica da antropologia,
começa a preocupar-se com a questão cultural;
-
o diálogo marxista-cristão;
-
a secularização da teologia realizada pelo Concílio Vaticano II e as
encíclicas papais sociais do “aggiornamento”
da igreja no mundo;
-
as análises políticas e sócio-econômicas dos bispos católicos da
América Latina em Medellín (Colômbia) em 1968;
-
a Assembléia Geral do Conselho Mundial de Igrejas em Uppsala (Suécia)
em 1968.
São produzidas basicamente
três teologias contextualizadas:
-
teologia da esperança (autor Jurgen Moltmann – Alemanha);
-
teologia da libertação (autor Gustavo Gutierrez – Peru);
-
teologia negra (movimentos negros religiosos – EUA).
Posteriormente a estas, há
tentativas de se fazer uma teologia feminista (EUA e Europa) e, no lado
conservador a teologia da prosperidade (EUA e também no Brasil).
A elaboração destas
teologias tem dado ênfase no seguinte:
-
a base da teologia tem-se localizado na prática dentro do mundo, em
lugar da exegese das Escrituras;
-
a missão passou a ser uma questão de se discernir o que Deus está
fazendo dentro do mundo contemporâneo e de se participar desta tarefa, em vez
de uma participação na tarefa missionária conforme delineada no Novo
Testamento;
-
por conseqüência, nas teologias mencionadas acima dá-se mais valor à
análise dos contextos culturais e sócio-políticos do que à interpretação
gramático-histórica da Bíblia e a consideração dos credos históricos da Igreja.
3) A
visão dos evangélicos conservadores
Os
estudiosos evangélicos conservadores reuniram-se no Congresso Internacional de
Evangelização Mundial em Lausanne (Suíça) em 1972.
Uma pequena parte dos
estudiosos evangélicos conservadores acha que a expressão “contextualização” é
um termo ambíguo e enganoso e deve ser totalmente abandonado. Por que não concordamos
com estes estudiosos?
-
sem contextualização a fé bíblica torna-se irrelevante para o homem
contemporâneo;
-
sem contextualização não há como transmitir a fé bíblica (ex.: o livro O totem da paz de Richardson);
-
querendo ou não acaba existindo uma contextualização, só que de séculos
atrás.
A maior parte dos estudiosos
evangélicos conservadores prefere redefinir a palavra “contextualização” e
reorientar o método. Como?
-
fazendo teologias conforme o contexto cultural com ênfases diferentes
que podem ser complementares mas não contraditórias;
-
a reflexão teológica tem de, obrigatoriamente, ter o controle
epistemológico e dados prévios da revelação de Deus expressada na Bíblia, se
não, não pode alegar ser validamente teologia cristã;
-
fazendo a tradução da fé bíblica para uma linguagem não-bíblica de
outra cultura.
Exemplos nas Escrituras de
contextualização:
-
a encarnação de Jesus Cristo é o maior exemplo de contextualização;
-
a conversa de Jesus com a mulher samaritana (Jo 4.1-26);
-
a pregação de Paulo no Areópago (At 17.16-34);
-
a prática missionária de Paulo (I Co 9.19-23)
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