O Aborto da menina estuprada
O
caso é de conhecimento de todos: uma menina capixaba de 10 anos teve a gravidez
descoberta, pois estava com um feto de 22 semanas. Desde os 6 anos, ela era
abusada por um tio de mais de 30 anos e que a ameaçava como forma de conseguir
seu silêncio. Por determinação judicial, foi dada autorização para um aborto
legal, que ocorreu em Recife. Uma ativista da extrema direita publicou o nome
da criança e o local onde ocorreria o aborto. Algumas pessoas que se dizem
cristãs foram para o local e tentaram impedir a realização do aborto. O aborto
foi realizado e, nesse ínterim, o estuprador foi preso.
Analisando
teologicamente a questão do aborto encontramos na Bíblia muita evidência contra
a prática de aborto. Por exemplo, o Salmo 139.16 diz: “Os teus olhos viram o
meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram
escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma
delas havia”, ou seja, o corpo era informe, mas ali já estava um ser
humano que o Senhor via. Estou entre aqueles que consideram que a vida começa
na fecundação e não 12 semanas depois. A partir da fecundação, o feto é um ser
humano, com a integridade da imagem de Deus. Também não concordo com a tese de
que a mulher tem o direito ao aborto porque o corpo é dela. Teria direito total
se não existisse um outro ser humano em seu corpo. Se existe, o direito tem de
ser dividido entre ela e o feto, e lembrando que o feto é a parte mais fraca
nesta relação. Sou contrário ao aborto de uma forma geral, mas acredito que há
casos específicos em que o aborto é a melhor solução.
Analiso
a questão do ponto de vista legal. As leis brasileiras proíbem o aborto. Mas o
Código Penal apresenta duas possibilidades nas quais o aborto pode ser
realizado sem se transformar em crime. Recentemente, o STF determinou uma
terceira. As possibilidades são: 1) risco de morte para a mãe; 2) gravidez por
estupro e 3) quando o feto é anencéfalo (má formação fetal do cérebro). A única
autoridade que pode determinar um aborto é um juiz. Neste caso específico, foi
o que aconteceu: um juiz determinou o aborto pelo fato da menina ter sido
estuprada e ter 10 anos de idade. O aborto, neste caso, foi legal. Sou
favorável ao que diz o Código Penal. Analisemos os três casos. O primeiro caso
é quando o desenvolvimento do feto pode gerar a morte da mãe. Neste caso, acho
correto que o feto seja abortado e a vida da mãe salva. Ela poderá ter outros
filhos, caso queira. O segundo caso é quando há gravidez decorrente do crime de
estupro. Mulheres estupradas desenvolvem traumas muito sérios. Carregar uma
criança na barriga que é fruto de um crime terrível como o estupro é
insuportável para muitas mulheres. Aquelas que quiserem podem apelar ao Estado
e conseguir judicialmente o direito de abortar. Nestes casos específicos,
concordo com a decisão do aborto. Penso que é muito cruel exigir para uma
mulher, nestas condições, que desenvolva a gravidez até o fim e entregue a criança
para adoção. Obviamente, se a mulher estuprada consegue desenvolver a gravidez
até o fim, aí é mérito e compaixão dela. O terceiro caso é das crianças que
clinicamente vão nascer praticamente sem cérebro e terão pouquíssimo tempo de
vida. Este é o único caso em que aceito o aborto se os pais fizerem questão
disto. Acho apenas que os pais, mesmo sabendo da iminente morte da criança, deveriam
deixar que isto acontecesse naturalmente e não através de um aborto. No
entanto, acho importante que a lei diga que os pais têm opção legal para
qualquer que for a decisão deles.
No
caso desta menina capixaba que foi violentada pelo tio desde os 6 anos e ficando
grávida, conseguiu o direito legal de abortar, considero que foi a melhor
solução para este caso. Imagine uma criança de 10 anos, repito, 10 anos, tendo
de desenvolver uma gravidez sabendo de que situação veio esta outra criança. É
impensável. Embora tenha havido o sacrifício de uma vida, para mim, foi a
melhor decisão para preservar a vida da menina (e olha que ela precisará de
muita ajuda para superar tudo que passou).
Acho de uma
hipocrisia e covardia muito grande de certos grupos religiosos que foram para a
porta do hospital chamar a menina e os médicos de assassinos. Por que eles não
foram para a porta do fórum do juiz que decidiu pelo aborto? Eu respondo:
porque são covardes. Só xingam os fracos, porque dos fortes eles têm medo. Esta
gente se diz religiosa mas dá mais valor às suas regras do que ao amor que
devemos dedicar aos que sofrem. Não tiveram nenhuma consideração com a menina e
com os médicos que estavam cumprindo ordem judicial. A menina é a parte sofrida
desta história e não é uma adulta, é uma menina de 10 anos. Estas pessoas esquecem-se
das palavras de Jesus: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o
sábado” (Marcos 2.27) e assim se pode também dizer com Jesus: “as regras foram
feitas para o bem do homem e não o homem para o bem das regras”. Regras e
padrões éticos são importantíssimos, mas também é preciso analisar cada caso e
perceber que alguns casos não cabem em nossas regras. A menina, que é a vítima,
merece de nós a compaixão, o amparo e a ajuda: “A religião que Deus, o nosso
Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas
dificuldades (as pessoas mais fracas da sociedade) e não se deixar corromper
pelo mundo” (Tiago 1.27); “Portanto, ide aprender o que significa isto:
‘Misericórdia quero, e não sacrifícios’” (Mateus 9.13); “Bem-aventurados
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mateus 5.7). O
espírito que deve reger a nossa vida não é aquele que nos leva à porta de um
hospital gritar “assassina” para uma menina de 10 anos, mas a que nos leva à
tristeza por perceber a maldade humana em ação todo dia e a estender mãos
misericordiosas para amparar as vítimas e os mais fracos na sociedade. O que
deve nos guiar é o amor e a compaixão, sempre!
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