JESUS, CONTADO ENTRE OS CRIMINOSOS
Houve uma
polêmica, durante o governo Bolsonaro, acerca da posse e do porte de armas. No
meio evangélico, os que estavam a favor do uso de armas pela população usaram o
texto de Lucas 22.35-38 como defesa bíblica para isto. Disseram que a
orientação de Jesus era que seus discípulos usassem armas para se defender. O
que este texto enigmático de Jesus quer nos ensinar? É sobre armas e segurança
ou sobre a missão de Jesus e dos cristãos no mundo? Venha descobrir os ensinos
fascinantes de Lucas 22.35-38.
Jesus ainda está
na sala onde celebrou a ceia com os apóstolos. Dali a algum tempo ele sabe que
será preso, traído por Judas, e no dia seguinte será crucificado após
julgamentos injustos. Os apóstolos, mesmo avisados disto tudo, não fazem a
mínima ideia do que está para acontecer. Jesus começa este diálogo: “E perguntou-lhes: Quando vos enviei sem carteira, sem mochila
ou sem sandálias, acaso lhes faltou alguma coisa? Eles responderam: Nada”
(v. 35). Todo viajante da época de Jesus levava estes três objetos básicos: a
carteira era para levar dinheiro (moedas), a mochila era para levar alimentos e
as sandálias representavam as roupas. Jesus lembra-lhes que os enviou em missão
de curar e pregar o evangelho por muitas cidades e vilas de uma grande região,
de dois em dois, conforme Lucas 10.1-20 e que disse naquela ocasião: “Não leveis carteira, nem mochila, nem sandálias”
(Lucas 10.4). Jesus pergunta se faltou algo naquela ocasião. A resposta foi
unânime: não faltou nada. Saíram sem nada e não faltou nada. Na vida cristã de
todos os discípulos, este será o normal: nada faltará do que é o necessário
para a sobrevivência. Deus cuidou daqueles homens e cuidará de nós em todo
tempo. Você não precisa ter uma arma em casa para sua proteção: o Senhor fará
isto. Deus suprirá tudo a seus servos e mesmo o mal que lhes aconteça ainda
estará dentro do âmbito da sua vontade. Jesus nos ensina a ter uma serena
confiança no cuidado do Pai.
“Disse-lhes então: Mas agora, quem tiver carteira, pegue-a,
como também a mochila; e quem não tiver espada, venda a sua túnica e compre uma”
(v. 36). Jesus inicia a próxima frase com uma forte adversativa: “mas agora”.
Ele fala daquele momento em particular. Desta vez não é o normal, mas uma
situação totalmente atípica que não se repetirá nunca mais. Nesta nova ordem,
ele diz para que os apóstolos levem bolsa (dinheiro). Se Jesus ia ser preso em
algumas horas e morrer no dia seguinte, para que ele precisa que os seus levem
dinheiro? Também mandou eles levarem mochila com provisões de alimentos, mas é
preciso lembrar que eles tinham acabado de cear. Não daria tempo nem para
sentir fome. E aí vem a ordem mais absurda: que cada um vendesse sua túnica
(espécie de um manto que ia sobre as outras roupas) e comprasse uma espada. Ele
está ordenando que eles se armassem para lutar. O que Jesus tem em mente com
estas ordens malucas? O intérprete tolo diria: “Tá vendo? Jesus manda-nos
comprar armas!”.
Mas o objetivo de
Jesus é bem outro. Ele tem uma razão fortíssima para dar estas ordens
totalmente fora de sua personalidade. “Porquanto vos
digo que importa que se cumpra em mim isto que está escrito: ‘E com os
criminosos foi contado’. Pois o que me diz respeito tem seu cumprimento”
(v. 37). Nesta situação singular, ele quer cumprir uma profecia do Antigo
Testamento. Para ele, cumpri-la tem muito valor. Qual profecia? “E com os
criminosos foi contado”. Jesus entende que os criminosos são seus apóstolos com
armas, dinheiro e provisão! Alguns ensinos muito interessantes neste texto. Em
primeiro lugar, o texto citado por Jesus encontra-se em Isaías 53.12: “...
Porquanto derramou a sua alma até a morte, e foi contado com os transgressores;
mas ele levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu”. A
palavra “transgressores” também pode ser traduzida como “criminosos”, já que
são pessoas que transgridem a lei. Isaías 53 é o texto do “servo sofredor de
Yahweh” e, ao cumpri-lo, Jesus se declara como sendo este servo. Este texto se
refere a ele. Em segundo lugar, Jesus não foge da acusação de ser um criminoso
ou pecador. Os líderes judeus, várias vezes, comentaram que ele deveria ser
pecador porque andava com pecadores. Aqui, Jesus, embora sabendo que não era
criminoso, não tem medo que o acusem disto. Em terceiro ugar, Jesus não cumpre
literalmente a Escritura, pois arruma as armas na casa onde está e seus
apóstolos nunca foram criminosos. As profecias da Bíblia podem ser cumpridas
literal ou simbolicamente. Quem decide como é o tipo de cumprimento é Jesus.
Mas, por que Jesus faz questão de cumprir esta profecia, mesmo simbolicamente?
Aí ele tem dois motivos. Um deles é mostrar que toda profecia bíblica se
encerra nele; na Bíblia tudo converge para ele. Segundo o apóstolo Paulo, “Cristo é o fim da lei para justificação de todo aquele
que crê” (Romanos 10.4) ou como ele mesmo disse a dois discípulos no
caminho de Emaús: “... Era necessário que se
cumprisse tudo que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos” (Lucas 24.44). O outro motivo, ligado a este, é liberar os
seus discípulos de seguir a literalidade da própria Bíblia. Não preciso ficar
preocupado em seguir literalmente todos os mandamentos da Bíblia literalmente;
preciso seguir os princípios que Cristo me deixou e, através deles, interpretar
a Bíblia inteira.
“Disseram eles: Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes:
Basta” (v. 38). Eles nunca tiveram armas e acharam duas na sala onde
estavam e que pertencia a um homem rico de Jerusalém. Para Jesus, duas espadas
eram suficientes para seu propósito, pois o objetivo nunca foi a autodefesa,
mas cumprimento de profecia.
Jesus foi contado
entre criminosos, sem nunca ter sido um. Ele quis cumprir todas as profecias
dos antigos profetas, mesmo simbolicamente, para nos salvar da morte eterna e
também da prisão de obedecermos aos mandamentos do Antigo Testamento. Mas, ao
assumir a injustiça de ser acusado de um crime sem ser culpado, Jesus,
solidariamente, se identifica com dois tipos de pessoas. Primeiro, com os seus
discípulos que, ao longo da história, sofreram todo tipo de tortura e morte por
causa dele, acusados de crimes que nunca cometeram. O segundo tipo de pessoa
com o qual Jesus se identifica é com todo o injustiçado que tem de sofrer uma
penalidade de algo que nunca fez, independentemente de ser discípulo dele ou
não. A todos estes, Jesus diz: “Eu também passei por esta dor terrível. Não
temas, estou contigo”.
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