O BEIJO DE JUDAS
O beijo é um sinal
universal de amor. Se eu encosto uma parte do meu corpo no corpo de outra
pessoa, isto geralmente não tem sentido nenhum. Quando eu era jovem, morando na
cidade de São Paulo, pegava ônibus que iam superlotados. Eu ia amassado por
todos os lados, mas isto não me ligava sentimentalmente a ninguém ali. O
simples toque de lábios em um rosto tem um significado sentimental enorme. O
beijo expressa amor, cuidado, carinho, amizade, solidariedade; todos
sentimentos bons. E quando o beijo é usado para o mal? É esta situação
inusitada que temos no texto de Lucas
22.47-48 entre Jesus e um discípulo dele, por nome Judas.
Jesus tinha
acabado de celebrar a ceia com seus apóstolos, dera instruções a eles e foi
orar no Monte das Oliveiras. Judas participou de parte da ceia e saiu
exatamente para entregar Jesus aos chefes dos sacerdotes, com os quais já havia
acertado isto. “Enquanto ele ainda falava, veio uma
multidão, e aquele que era conhecido como Judas, um dos doze, vinha na frente
deles e aproximou-se de Jesus para o beijar” (v. 47). Jesus ainda
conversava com seus apóstolos, após a oração no Gethsêmani, quando eles veem uma
multidão se aproximando. Eles eram em doze, logo a multidão deveria ter por
volta de umas quarenta pessoas. Esta multidão era formada por guardas do templo
e pessoas que queriam ajudar a prender um homem. Ela vinha com tochas, espadas
e cassetetes de pau, caso encontrassem resistência. Por incrível que pareça aos
apóstolos, mas não a Jesus, quem vem liderando a multidão é Judas Iscariotes.
Ele agora estava no lado contrário, no lado dos inimigos de Jesus. Imagine o
assombro dos demais apóstolos ao ver Judas liderando a turba. Imagine a
vergonha de Judas tendo de contemplar Jesus e seus companheiros de apostolado
por cerca de três anos. A cena toda é muito dramática e se tornará mais tensa
ainda. Judas, ao guiar a multidão, torna-se o líder da turba. Agora era o
encontro entre ele, o líder dos guardas, e Jesus, o líder dos apóstolos. A
traição estava bem decidida em seu coração. Agora ele se vingava do fato de que
seu mestre nunca se tornara o Messias político-militar que libertaria Israel e
ganhava uma alta soma em dinheiro que os sacerdotes lhe deram. A vida dele
estava feita com aquele dinheiro e seu futuro garantido. Mas a que preço?
Se Judas vai trair
Jesus, qual o sinal que ele usará para identificá-lo? É noite, a iluminação de
tochas é insuficiente e a multidão que vai prender não conhece Jesus. Qual
sinal Judas poderia usar para identificar Jesus para os guardas? Ele poderia
indicar com o dedo, amaldiçoar ou mesmo bater em Jesus. Mas o sinal escolhido
por Judas é o beijo. Justo o beijo! O beijo é uma ação que demonstra amor,
amizade, carinho, querer bem. Judas beijar Jesus naquele momento confunde os
sentimentos. O beijo aqui é sinal de traição, ressentimento, desprezo, ódio.
Quando Judas vai beijar Jesus, eles ficam cara a cara. Que olhar houve entre os
dois? Ou Judas desviou o olhar? Pensemos em nós: quando o beijo em Jesus troca
de função, pois ao invés de demonstrar amor, demonstra traição? Toda vez que,
em nome dele, eu praticar o mal! Toda vez que, em nome de Jesus, eu maltratar
um gay ou uma pessoa trans, eu bater e maltratar minha mulher porque ela tem de
ser submissa, eu diminuir alguém porque esta pessoa não pertence ao meu grupo
religioso, eu enganar meu chefe ou meu empregado para tirar vantagens pessoais,
enfim, toda vez que estabeleço relacionamentos pecaminosos e maus.
Após ser beijado por Judas Iscariotes, Jesus
vai ensinar seu discípulo pela última vez com muita serenidade. Sim, o tempo
todo Jesus sabia que Judas iria traí-lo, mas o tratou como discípulo amado
sempre. A previsível traição não mudou o amor que Jesus tinha por ele. Jesus
Cristo ama seus inimigos, inclusive os traidores! “Jesus,
porém, lhe disse: ‘Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?’” (v.
48). A resposta de Jesus ao beijo do traidor é uma pergunta. Várias vezes, ele
usava este recurso da pergunta, obrigando seu interlocutor a pensar no que
estava fazendo ou dizendo. Jesus fazia uso do mesmo método adotado pelo
filósofo Sócrates em seus diálogos. Jesus começa a pergunta citando o nome
dele: Judas. Ao citar o nome, Jesus mostra que ele é o responsável único pela
traição e, ao mesmo tempo, expressa amor por ele. Ao perguntar pelo sinal da
traição, que foi um beijo, Jesus o questiona do porquê usar um sinal do amor
para a prática de uma maldade tão abjeta. A intenção era uma, o sinal era o
contrário da intenção. Judas tinha se voltado contra aquele que era o Filho do
Homem, o Salvador, o Messias. Judas não sabia, mas ao entregar Jesus se
tornaria mundialmente conhecido como o protótipo do traidor. Traiu aquele que
lhe deu o apostolado, o poder para curar enfermos e expulsar demônios, a
distinção entre os seguidores e o amor e o carinho com que sempre o tratou.
Esta pergunta de
Jesus a Judas tem o seguinte teor: “Judas, por que você não assumiu sua
descrença em relação a mim e não foi embora do meu grupo de seguidores? Por que
preferiu ser hipócrita e fazer de conta que me respeitava e me amava?”. Hoje em
dia, irmãos, há muitos cristãos que parecem estar seguindo Jesus e fazem cara
de piedade, mas o coração deles expressa que já não creem mais em Jesus, estão
totalmente incrédulos em relação ao Mestre. Mas permanecem com a pose de
cristãos porque eles conseguem vantagens nisso: pode ser o poder numa
comunidade ou estrutura eclesiástica, pode ser dinheiro, pode ser conquistas
amorosas, pode ser o controle de outras pessoas ou pode ser a compensação de
pecados graves. A estes, Jesus estaria dizendo, como disse a Judas: “Por que
você não me abandona de vez e segue seu caminho? Deixa este discurso vazio de
discípulo falso e vai viver como quiser!” Nestes casos, o abandono deste falso
cristianismo seria honesto. Ou alguém, no final de sua existência, gostaria de
ouvir Jesus a lhe dizer: “Fulano, com tantos beijos você me traiu a vida
inteira?” Não seja você um traidor. Se é para seguir a Jesus, siga-o de todo o
seu coração, sem segundas intenções.
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