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Conto "A escolha de Marcos"

 Conto: A ESCOLHA DE MARCOS

Whitson Ribeiro da Rocha

 

Marcos era um homem negro. Era o caçula de quatro irmãos. Em comparação com seus irmãos, ele era o mais preto. Quando tinha 4 anos, seu pai morrera em um acidente no qual estava de carona. Sua mãe, uma mulher muito firme, ficou sozinha com a decisão de criar os filhos. Trabalhou anos como empregada doméstica e, com ajuda de familiares, conseguiu educá-los para que se tornassem pessoas de bem. Os quatro filhos, agora com suas famílias, amavam muito a mãe.

            Marcos cresceu em um bairro muito pobre da periferia de sua cidade. Naquele lugar sujo, onde o esgoto corria a céu aberto, sempre estava presente a criminalidade, principalmente o tráfico. Cresceu aprendendo a lidar com o medo e a coragem, e a ter de se virar para não cair em armadilhas.  Quando adolescente, o convite para o tráfico sempre estivera presente. Alguns de seus amigos entraram nessa e não conseguiram sair mais. Ele e seus irmãos nunca se meteram com isto, graças às orientações e o pulso forte da mãe. Vivia no meio da violência. Sempre lembrava de um fato que aconteceu com ele e seu amigo Vitor. Os dois vinham de uma festa e foram parados pela polícia. Depois de revistados, um policial perguntou de onde vinham e para onde iam. O Vitor respondeu que era problema deles. Levou um baita tapa do policial, que o desequilibrou. Os policiais mandaram-nos embora. Os dois sairam dali com muita raiva pela humilhação que passaram. Era sempre assim com gente negra e parda como eles.

Marcos era muito estudioso e inteligente. Sempre estudou em escola pública e era aprovado como um dos melhores da classe. Quando terminou o segundo grau, conseguiu passar em um curso de tecnólogo de mecânica de automóvel. Sua mãe e seus irmãos ajudaram nas despesas. Ele se formou com excelente avaliação. Começou então a procurar emprego com sua nova formação. Participou de várias seleções e, apesar de seu desempenho, nunca conseguia ser efetivado. Sempre uma pessoa de cor branca ganhava a vaga. Com uma profunda tristeza percebeu que a cor de sua pele nunca ajudava. Passou cinco meses nestas tentativas e nada, começou a ficar deprimido. Não ria mais, não era mais brincalhão. Até que um dia sua mãe chegou em casa e disse que ele fosse em determinada oficina. Ela tinha conversado com o dono, para quem trabalhou por vários anos como empregada doméstica, e havia pedido que ele desse uma oportunidade para seu filho. O dono, seu Antonio, tinha pedido que ele fosse lá no dia seguinte.

            Logo cedo, lá estava ele na oficina do seu Antonio. O dono lhe disse que, naquele momento, não estava precisando de ninguém, mas por causa da consideração que tinha pela mãe dele, iria fazer um período de teste com ele e, se saísse bem, iria contratá-lo. Marcos agradeceu à mãe em pensamento e começou a trabalhar. Mostrou-se apto e foi contratado. Com o passar do tempo, foi assumindo cada vez mais responsabilidades. A oficina tinha uma boa reputação e muito trabalho. Seu Antonio gostava muito do trabalho dele. Passado alguns anos, seu Antonio começou a ter problemas de saúde que o afastavam do dia a dia da oficina. Ele escolheu Marcos para gerenciar tudo ali e compartilhasse com ele acerca das principais decisões. Com Marcos na gerência, a empresa melhorava cada dia mais. Na sua vida pessoal, Marcos se casou e tinha uma filha de três anos.

            Marcos informou seu Antonio que o volume de trabalho exigia a contratação de mais um mecânico. Seu Antonio disse que ele fizesse a seleção e lhe apresentasse um nome. Viu o currículo de vários candidatos e escolheu dois para um teste. Jeferson, um rapaz branco, tinha curso de mecânico e uma boa experiência. Valdir, um rapaz tão escuro quanto ele, também era mecânico, mas parava pouco tempo nos empregos. Fez um teste prático com os dois e também perguntas acerca de como eles lidariam com problemas mecânicos. Os dois tinham família. Avaliou então o desempenho deles. Jeferson, o rapaz branco, se saíra melhor tanto na parte prática quanto na teórica. Valdir, o rapaz negro, não ficava muito atrás mas não alcançava o mesmo nível do Jeferson. Marcos pensou que, se fosse exclusivamente por mérito, o escolhido deveria ser o Jeferson. Mas, Marcos olhou sua própria história de vida e percebeu que o mérito não deveria se apegar tão somente àqueles testes. Embora o Jeferson tivesse passado por dificuldades até chegar ali, o Valdir, por ser negro, tinha começado num patamar muito mais baixo que o outro, passado por muitas situações de rejeição e, se chegou ali, o esforço dele tinha sido muito maior. Para Jeferson seria fácil encontrar algum emprego na área pelo seu conhecimento, mas não para Valdir. Este ficava pouco nos empregos porque era sempre o primeiro a ser demitido quando a situação apertava. Valdir, como ele no início, teria dificuldade em encontrar algo porque a cor de sua pele não ajudava nesta sociedade ainda preconceituosa.

            No dia seguinte, chegou para seu Antonio e lhe disse que já tinha feito sua escolha do novo mecânico. Seu Antonio perguntou quem era. “O Valdir, o rapaz negro”, respondeu Marcos. “Está bem”, disse seu Antonio, “pede para ele passar no contador amanhã”.

            Marcos se sentiu feliz com sua decisão. Mas assumiu alguns propósitos. Ia encaminhar sua filhinha a ter uma vida de estudos até que se formasse, pois ele entendeu que só pelo conhecimento ela poderia superar os desafios de um mundo ainda racista em relação à cor da pele. Também ia se associar a algum grupo que lutasse em favor das pessoas marginalizadas da sociedade, em especial seus irmãos de cor. Lembrou-se que seu amigo Vitor, que se tornara um líder comunitário no mesmo bairro pobre onde crescera, poderia se tornar um excelente vereador e iria conversar com ele sobre isto. Marcos percebeu que a ação política também era necessária para mudar a realidade. Queria que sua família fosse diferente, mas queria que a sociedade se transformasse também.

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