UM JULGAMENTO
INJUSTO E UMA REVELAÇÃO SURPREENDENTE
“Absolver o ímpio
e condenar o justo são coisas que o Senhor odeia” (Provérbios 17.15 NVI). Não só ao Senhor, também aos seres humanos, a
prática de um julgamento injusto causa indignação. Dói na alma humana que gosta
da justiça ver uma pessoa claramente culpada ser solta. Pior ainda é quando um
inocente é condenado injustamente. Um julgamento injusto é a antítese daquilo
que chamamos de justiça. O texto de Lucas
22.66-71 fala do julgamento que condenou à morte um homem justo, mas no
qual apareceu uma revelação surpreendente até mesmo para aqueles que o julgaram.
Nossa sociedade
começa um novo dia à zero hora, que também indica o fim, à meia-noite. Na
sociedade da época de Jesus, o dia começava com o pôr do sol. Jesus foi preso
no início da sexta-feira, logo que a noite começou. Foi levado pela polícia do
Sinédrio (a alta Corte dos judeus) para a casa de Caifás (sumo-sacerdote na
época). Segundo o evangelista Marcos, houve um julgamento ilegal à noite
(Marcos 14.55-64), a polícia do Sinédrio torturou Jesus depois (Lucas 22.63-65)
e, quando amanheceu, foi feito o julgamento formal (Lucas 22.66-71) a fim de
encaminhar Jesus ao governador romano Pilatos, único que podia determinar sua
morte. O evangelista Lucas nos fala tão somente deste segundo julgamento de
manhã: “Logo que amanheceu reuniu-se a assembleia dos
líderes do povo, tanto os principais sacerdotes como os escribas. E o
conduziram ao Sinédrio deles, onde lhe disseram: ‘Dize-nos se tu és o Cristo’.
Ele respondeu: ‘Se eu disser, não crereis: e, se eu vos perguntar, não me
respondereis’” (v. 66-68). Foi uma reunião oficial do Sinédrio. Ali
estava a liderança político-religiosa que representava o povo de Israel: os
homens mais respeitáveis e considerados santos de toda a nação. A decisão
oficial de Israel sobre Jesus viria deles. Fizeram a Jesus a única pergunta que
lhes interessava saber: “Dize-nos se tu és o Cristo”. Cristo é a versão grega
para Messias. Não perguntaram a Jesus quantos milagres ele fez, quantas
pregações fez ao povo, quantas vidas ele restaurou. Não. Só interessava a eles
saber se era o Messias. Naquela época, Messias era um conceito
político-religioso de um líder político com grande poder militar, pois seria um
descendente do rei Davi, que iria tornar Israel livre do domínio romano e iria
expandir o território até se tornar uma potência internacional. Este líder
obrigaria os povos subjugados a adorar Yahweh, o Deus de Israel. Os religiosos
do Sinédrio têm a absoluta certeza de que Jesus não é esta pessoa. Um fraco
como Jesus que só anda com a ralé do povo não pode ser Messias, pensavam eles.
Jesus respondeu assim: “Se eu disser, não crereis; e, se eu vos perguntar, não
me respondereis”. Ele diz inicialmente que aquele julgamento é de cartas
marcadas, porque eles estão impossibilitados de crer. Já endureceram seus
corações. O que o Sinédrio quer é apenas um pretexto para o acusar. Mesmo que
Jesus perguntasse a eles se achavam que ele era o Messias, eles não
responderiam porque o desprezavam. Mas, ao dar esta resposta, indiretamente
Jesus estava afirmando ser o Messias.
Mas a grande
surpresa neste julgamento vem com esta declaração de Jesus que está no v. 69: “Mas, a partir de agora, o Filho do Homem estará assentado à
direita do poder de Deus”. O único interesse do Sinédrio era saber se
Jesus era o Messias. Jesus sempre usou a expressão “Filho do homem” para
referir-se a si mesmo. Esta expressão não tinha conotações políticas. Porém, no
v. 69, ele dá uma informação que vai muito além de qualquer coisa imaginada por
todos os judeus. Ele afirma que a partir de agora, ele estará sentado à direita
de Deus. Ou seja, ele se coloca ao lado da própria divindade. Estar à direita
de uma autoridade significa ser seu conselheiro e a pessoa mais prezada por ela.
Jesus se apresenta aos seus juízes como o único ser humano numa relação direta
com Yahweh. Ele já tem esta posição e um dia todos os seus julgadores verão
isto. Neste dia, o que será deles? Ou seja, Jesus se apresenta como muito, mas
muito mais que um Messias: ele é o companheiro de Deus, seu conselheiro, o
exaltado, o igual a Deus. E mais: quando ele diz “a partir de agora”, ele está
dizendo que a cruz onde morrerá fará isto acontecer. O evento que parece ser a
total derrota humana de Jesus será aquele que o engrandecerá acima de tudo e de
todos.
Os principais sacerdotes
e demais membros do Sinédrio não querem acreditar no que ouviram e fazem uma
pergunta de confirmação a Jesus: “Então todos
perguntaram: ‘Logo, tu és o Filho de Deus?’ E ele lhes respondeu: ‘Vós dizeis
que eu sou’” (v. 70). A pergunta inicial era se Jesus é o Messias. Agora
todos, sem excessão, espantados, perguntam se ele é o Filho de Deus. Eles
entenderam muito bem o que Jesus falou. Para eles, Jesus passou do político
(Messias) para o divino (Filho de Deus) quando disse que iria se assentar à
direita de Yahweh. Para os líderes de Israel chamar Jesus de Messias era de uma
loucura sem tamanho; agora, chamar Jesus de Filho de Deus era ir ao extremo da
arrogância e da blasfêmia a que um ser humano desprezível podia chegar. Isto
era intolerável. Eles tinham de tirar a dúvida sobre esta afirmação e fizeram a
pergunta clara: “Tu és o Filho de Deus?”. A resposta de Jesus foi mais uma de
suas respostas desconcertantes. Ao afirmar: “Vós dizeis que eu sou”, Jesus, ao
mesmo tempo, afirmava que era como colocava a responsabilidade pela frase na
conta deles. Ele tinha dito ser “o filho do homem”, eles diziam que ele era “o
filho de Deus”. Mesmo naquela situação de muita tortura, a sabedoria e a
verdade de Jesus brilhavam como o sol.
“Então disseram: ‘Para que precisamos ainda de testemunhas?
Pois nós mesmos o ouvimos de sua própria boca’” (v. 71). Julgamento
encerrado. Para os juízes do Sinédrio judaico, Jesus era culpado de blasfêmia e
merecia a morte, conforme a lei de Moisés. Não havia nem necessidade de testemunhas
arrumadas. Jesus era um escândalo ambulante: torturado, sangrando e afirmando
ser igual a Yahweh. Finalmente, depois de mais de dois anos de hostilidades com
este galileu, os principais líderes de Israel o levariam ao que tanto
desejavam: sua morte. No entanto, a sentença só podia ser dada pelo governador
romano. Era para lá que levariam Jesus imediatamente.
Jesus foi julgado
injustamente. Todo ser humano tem direito a um julgamento justo, no qual ele
não seja vítima de violência, nem antes e nem depois. Esta é a exigência que o
julgamento de Jesus faz a qualquer sistema de justiça de qualquer nação.
Quem se tornar um
discípulo de Jesus, segue alguém paradoxal: fraco, torturado e sangrando e
afirmando ser o companheiro do próprio Deus. Como seu mestre, qualquer seguidor
dele será paradoxal também: carrega sua própria cruz, sofre, geme e sangra
enquanto faz o bem e ama os outros agora, para ver o Filho de Deus sentado à
direita do Pai.
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