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Conto: Bia e Mamom

 Conto: BIA E MAMOM

Whitson Ribeiro da Rocha

 

Bia dirigia apreensiva até o endereço que seu filho lhe havia passado. Pedrinho lhe dissera que tinha passado mal no jogo de futebol, quase desmaiou, mas que seu colega João o levou para a casa dele e que a mãe do João, que trabalhava num hospital, estava cuidando dele. Mas que já estava bem. Apreensiva pela saúde do filho e também pelo endereço, pois ficava num dos bairros mais pobre da cidade e também mal falado. Nunca tinha andado por aquele lugar e temia que alguma coisa de mal lhe acontecesse.

            Bia crescera em uma família rica. Tivera todas as facilidades que seus pais puderam lhe dar. Quando estudava administração numa universidade pública, conheceu o Roberto que estudava engenharia. Apaixonaram-se e se casaram. Roberto vinha de uma família de classe média e tinha lutado bastante para chegar naquela condição. Decidiram que iam viver por eles, sem a ajuda o pai dela, que queria dar tudo para eles. Quem bateu pé nesta decisão foi o Roberto. Ela aceitou. Os dois se empregaram bem: ela era secretária numa multinacional e ele, engenheiro numa grande empresa. A vida dos dois era muito boa e depois nasceu o Pedro que agora já contava com 13 anos.

            Bia gostava da sua vida. Dava muito valor ao que tinha. Um dia abriu seu guarda-roupa e contou 36 pares de sapato, 7 bolsas e um número grande de vestidos e outras roupas que nem se atreveu a contar. Tudo de marcas famosas no mercado. “Aqui tem uma pequena fortuna”, pensou ela, “mas preciso disso para trabalhar e viver”. Olhou a parte de Roberto e, mais uma vez, ficou decepcionada. Ele não dava valor para roupas e as comprava de marcas populares. O Roberto era desprovido deste sentimento de valor, qualquer coisa para ele estava bom. O pior é que o Pedrinho seguia no mesmo caminho do pai. O menino vestia qualquer coisa, se dava bem com todo mundo; ao invés de ir jogar bola na quadra do condomínio, onde era seguro, ia jogar com os amigos da igreja, num lugar que ela achava perigoso. Já tinha conversado com ele sobre o assunto, mas o menino era teimoso como o pai.

            Quando ainda namorava o Roberto, Bia passou a frequentar a igreja dele. Teve uma experiência pessoal com Jesus ali, se converteu e se batizou. Como era uma líder nata e tinha uma bela voz, depois de algum tempo passou a fazer parte do grupo de louvor. A igreja tinha cerca de 200 membros, ficava num bairro de classe média, mas havia muito subúrbio por perto e gente pobre também frequentava a igreja, como eles faziam regularmente.

            No domingo da semana em que foi socorrer seu filho, o pastor havia pregado sobre Deus e Mamom. Mamom era conhecido como o deus das riquezas e que era o deus das pessoas que colocavam sua fé no dinheiro que tinham e que passavam a vida toda lutando para ter sempre mais, sem considerar as pessoas à sua volta, num egoísmo crescente. Bia pensou que este não era o caso de sua família, pois todo domingo estavam na igreja e, no seu caso, cantando no louvor.

            Estava começando a anoitecer, quando, com muito medo de ser assaltada, estacionou o carro numa rua estreita em frente ao endereço que seu filho lhe dera. Quem abriu a porta foi o João, o amigo de futebol do Pedro. Entrou naquela casa, que consistia de uma cozinha com um quarto ao lado e um banheiro. Lá estava o Pedrinho sentado à mesa comendo um pedaço de pão com margarina, o João e o irmão menor. Quem a recebeu com um sorriso foi a Dalva, a mãe deles. “O seu filho levou uma bolada no estômago e teve vertigens”, disse Dalva, “Joãozinho trouxe ele para casa porque trabalho num hospital e o campo fica aqui perto; mas ele já está melhor”. Bia tinha uma vaga lembrança da Dalva na igreja. “Eu não vou muito na igreja por causa do meu serviço”, disse Dalva. Ela então contou que quando teve seu segundo filho, o marido sumiu com outra mulher. Então teve que se virar para sustentar os filhos. Conseguiu este emprego no hospital, mas a vida era muito difícil ainda. Mas dava graças a Deus porque, embora pobre, conseguia viver e educar os filhos. Participar da igreja era muito bom para eles e o pastor os ajudava.

            À noite, em sua cama, enquanto seu marido roncava ao lado, Bia não conseguia dormir. Pensava na Dalva e nas suas dificuldades. E pensou nela própria. Sempre tivera do bom e do melhor, acumulava coisas que raramente ia usar e dava muito valor para isto. Suas amigas eram pessoas iguais a ela. Nunca se preocupou com a sorte de pessoas como a Dalva. Cada um que trabalhasse e cuidasse de si, ela pensava. Uma ideia então lhe passou pela cabeça como um raio: será que ela, com seu estilo de vida, apesar de cantar no louvor todos os domingos, não estava servindo ao deus Mamom, o deus das riquezas, e se esquecendo de andar de uma forma menos consumista e mais ativa em ajudar as pessoas que precisavam? Ao pensar nisto, Bia chorou silenciosamente.

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